Agora é definitivo: Felipe Massa está fora da Fórmula 1. O anúncio foi feito no último sábado (4) pela manhã, pelo próprio piloto através de um vídeo publicado em seu Twitter. Assim acaba, na categoria máxima do esporte a motor, a trajetória de um dos melhores pilotos brasileiros no automobilismo mundial. E pela primeira vez, desde 1970, o Brasil ficará órfão de um piloto na competição.
Muitos comentários envolvendo Massa me deixam incomodado. “Depois da ‘molada’ ele nunca mais foi o mesmo”, diria uma pluralidade de pessoas. Isso não é verdade. Portanto, uma retrospectiva e alguns esclarecimentos oxigenarão um pouco as memórias sobre o piloto.
Óbvio que depois de ter uma geração de campeões em duas décadas, entre 1972 e 1991, com gênios como Fittipaldi, Piquet e Senna, a ausência de um título mundial tem um peso enorme. Especialmente pela forma como a maior parte dos brasileiros vê o esporte, mais como uma copa de nações do que uma competição por equipe.
O início
Máquina do tempo ligada, destino 2002. Foi neste ano que entrou, pelas portas da frente da categoria, o promissor Felipe Massa. Estreando na Sauber, na vaga deixada por Kimi Raikkoen, talentoso finlandês que foi chamado para a McLaren já em seu segundo ano de Fórmula 1, Massa não decepcionou. Na primeira corrida que terminou já marcou pontos – lembrem-se que nesta época apenas os seis primeiros pontuavam. E até o fim da temporada fez um campeonato competitivo, até preenchendo um espaço deixado dois anos antes por Pedro Paulo Diniz na mesma Sauber Petronas, que utilizava os motores Ferrari.
Justamente este último fato que fez o brasileiro, em 2003, fazer um ano de aprendizado na equipe dos sonhos de muitos pilotos, aquela que Senna tinha vontade de defender um dia: a Ferrari. Piloto de testes de equipe de Maranello, era praticamente questão de tempo assumir um dos carros vermelhos. Voltou para a mesma Sauber no ano seguinte, onde ficou até 2005, para, em 2006, finalmente vestir o macacão vermelho, em uma troca entre brasileiros: sai o veterano Rubens Barrichello e entra o jovem Felipe Massa.
Finalmente, a Ferrari
Schumacher, já heptacampeão, foi apontado como o tutor do jovem brasileiro (bem, quase algo como o próprio Massa fez com Stroll na Williams neste ano), que teria de tudo para ocupar a posição do alemão e ser campeão mundial um dia. Não decepcionou: terminou o campeonato atrás de Schumy e conquistou sua primeira vitória no GP da Turquia. A segunda veio em grande estilo, com um macacão verde e amarelo, em casa. Foi o delírio, dos pontos mais altos de sua carreira: superar, na pista, o maior de todos os tempos.
O ano acabou e uma reviravolta nas cadeiras trouxe uma movimentação inacreditável de pilotos e equipes. Sai Schumacher da Ferrari; Hamilton estreia na McLaren Mercedes. Alonso, então bicampeão, deixa a Renault para ter seu pesadelo pessoal nas flechas prateadas – onde pretendia ser campeão. Kimi Raikkonen é confirmado na Ferrari e uma dupla muito forte é criada para seguir o legado de Schumacher.
Kimi entrou arrebentando, estreando com vitória. Na segunda corrida, mais um podium. E nada de Massa. Que reagiu na terceira etapa, vencendo. Eles foram trocando pontos até certo período da temporada, até o momento em que Kimi estava em melhor posição para derrotar os pilotos da McLaren. Com uma ajudinha de Massa no GP Brasil, Kimi ganhou e levou o título por apenas um ponto sobre Alonso e Hamilton. O inglês, aliás, liderava o campeonato. Massa foi quarto.
Auge e pesadelo
2008 foi o ano da redenção do brasileiro. Pilotou o fino, foi o melhor piloto do campeonato. Merecia o título. Foi o campeão por alguns segundos, por ganhar o GP do Brasil, última corrida do campeonato. Mas, depois da bandeirada, Hamilton fez uma ultrapassagem na última curva e, por um ponto, consagrou-se campeão mundial. O doce salgou: as lágrimas da vitória se transformaram nas da derrota moral. Um dos pódios mais frustrantes da Fórmula 1. O título não foi perdido ali, mas em outros detalhes, em outras corridas. Não se pode esquecer, no entanto, que Kimi virou um “segundo piloto”, um “escudeiro” de Felipe por algumas corridas.
O ano seguinte foi, sem dúvidas o mais difícil para Massa. Na décima etapa, no GP da Hungria, no sábado, ocorreu o fatídico acidente: uma mola que escapou do carro de Rubens Barrichello, ao quicar no asfalto, foi atingida por Felipe, que vinha a mais de 200 quilômetros por hora. Ela perfurou a lateral do capacete e atingiu Massa no rosto, pouco acima do olho. Massa apagou, bateu forte na proteção de pneus. Foi o desespero: apesar de estar vivo, ele ficaria afastado do automobilismo pelo restante do ano.
Mas 2009 já não vinha sendo um ano bom nas pistas para Massa. Não só para ele, mas para a Ferrari. Este foi o ano do domínio da Brawn e da primeira temporada forte da Red Bull, do início da hegemonia da equipe dos energéticos, que agora tinha o gênio Adrian Newey. A disputa com Hamilton e Raikkonen era apenas pela quinta posição. Nas nove corridas disputadas, Massa conquistou apenas um podium, no lugar mais baixo, na Alemanha.
Nocaute técnico
Massa voltou às pistas em 2010, mas ao seu lado não era mais Kimi Raikkonen, e sim Fernando Alonso, um dos pilotos mais completos de todos os tempos. Recomeçar após um grave acidente já não é algo fácil, e ter Alonso, então, tornava tudo mais difícil. Mas Felipe mostrou seu valor e seu talento especialmente no GP da Alemanha, um ano após seu acidente. Na corrida, vinha em primeiro, liderando tranquilamente. Até escutar, via rádio, uma mensagem.
“Felipe… Fernando is faster than you”.
Uma frase e quatro palavras, para alguns. Para Massa, a escuridão. Toneladas imensuráveis, não nas costas, mas no psicológico. Foi o nocaute técnico praticamente eterno para o piloto na Ferrari. Algo que murchou o ego, secou, no inconsciente, a determinação competitiva. Ele sabia que ganharia de Alonso, que era mais rápido, que a partir dali, poderia derrotar o incontestável bicampeão mundial. Porém, ali ficou claro um cenário de dez anos atrás, subentendido que Alonso era e seria o primeiro piloto, independentemente de seu desempenho. Não era algo necessário naquele momento no campeonato. E quando uma repreensão dessa acontece uma vez, mesmo não querendo admitir, fica o vazio lá dentro.
Foi um golpe incomparavelmente mais pesado que a de qualquer objeto atingindo sua face.
Foram, então, mais três anos de uma angústia velada. Mas a angústia, podia-se dizer, era de menos, já que, entre 2011 e 2013, a Ferrari de Massa e Alonso era engolida pelos adversários – diga-se Red Bull. Não ter um carro para ganhar ou ser campeão é algo que se sobrepõe a qualquer outro sentimento.
Esperanças renovadas
Mudança de regras, novos carros, novos motores e energias renovadas para 2014. Adeus Ferrari, olá Williams. Na pré-temporada, até não parecia um mau negócio: equipada com o motor Mercedes, que se apresentou como o mais forte e durável com as novas normas, a Williams estava voando. Mas a temporada começou e se viu que o carro não era tudo isso. Alguns podiums vieram, mas não havia chances de vitória. Começava a era de hegemonia da equipe Mercedes, que dura até hoje.
Houve o adeus em 2016, mas, com a aposentadoria de Nico Rosberg, Bottas foi chamado pela Mercedes e a equipe pediu para que ele ficasse mais um ano. Pedido aceito. Mas o carro seguiu em trajetória decrescente em termos de desempenho.
Quando o carro não ajuda, não há milagre. Nos últimos 30 anos na Fórmula Um, pelo menos, ninguém foi campeão com carro mediano. Ninguém. Nem os maiores gênios.
The End
Até hoje, foram 268 corridas, 16 poles, 11 vitórias e 41 pódios. Felipe Massa foi brilhante, sim. Tinha todas as características para ser campeão mundial – algo que não ocorreu por meros detalhes. Não ter um bom carro nos momentos certos e ter Alonso como companheiro, em uma escuderia como a Ferrari, que preza pela equipe, foram os reais motivos de Massa não ter conquistado o título mundial. Fatos os quais apenas coincidiram por ocorrer logo após a tal ‘molada’.
Piloto que sai com a cabeça erguida, como uma moral ímpar. Muito querido por todos no ‘circo’ da Fórmula 1. Que levará um respeito imenso, seja lá onde for competir em 2018.
Obrigado, Massa. Por tudo.
(Um parêntese)
Sobre o fato da categoria ficar sem um piloto brasileiro, acho até positivo: será o momento dos brasileiros reaprenderem a curtir a Fórmula 1 como um esporte, pela competição em si. Até porque, para o amante do automobilismo, ter ou não o piloto de uma nacionalidade específica, nada vai mudar.